sábado, 18 de outubro de 2008

"Thank You Doctor"

"QUANDO aceitei colaborar na campanha de prevenção do cancro da mama que decorre no mês de Outubro, fi-lo por dever cívico. Mas sobretudo porque sou mulher e este flagelo atinge anualmente cerca de cinco mil mulheres em Portugal e 1,3 milhões de mulheres no mundo.

A cura do cancro da mama tem uma elevada taxa de sucesso se o diagnóstico for feito atempadamente. No entanto, o medo ainda domina as pessoas, daí que a divulgação seja fundamental para incentivar a mulher a cuidar de si, a consultar o médico, a fazer o que for necessário para uma prevenção eficaz.

SÓ quem já esteve gravemente doente é que conhece a solidão vivida na incerteza em cada gesto, nos corredores de hospital, na espera para as consultas, na impaciência enquanto se aguarda o resultado dos exames, no sofrimento de se saber em perigo de vida e pensar como irão ficar por cá aqueles que amamos, quando partirmos. Quando sangramos, ninguém sangra connosco. A família apoia, os amigos ajudam, médicos, enfermeiros e técnicos de saúde trabalham, mas a dor é de quem a sente.
EM SINTO MUITO, livro de Nuno Lobo Antunes, tropecei num texto em que o médico dá a mão a uma paciente que sofre de um cancro da mama em fase terminal. Se o gene de escritor existe, então também corre nas veias do neuropediatra quando lemos Thank you Doctor, uma viagem ao interior do coração de um médico que sofre a dor com os seus pacientes. «Nessa mão vi o resumo de mulher. Olhos de azul esbatido, vida com princípio, meio e fim. Fim que antevia, e que com ela partilhava, e no silêncio do olhar, confessei que a achava linda, que não importava idade, ou um fragmento a menos da sua carne. Quis que entendesse a beleza de que era feita, e que se porventura houvesse mais vida, decerto lhe pertencia, porque era de justiça que fosse dona do mundo, e não morresse nunca, e não lhe faltassem bocados, e não fosse ruína ou capela imperfeita».

NÃO é fácil combinar objectividade clínica com sensibilidade artística. Este e outros textos do livro, que remetem tantas vezes para a morte e que revelam uma sensibilidade extraordinária, fazem-nos pensar no valor incalculável da vida, na sorte em que temos de estar aqui e agora, eu a escrever, os meus leitores de jornal na mão, num fim de semana banhado de sol e de luz.

A CAMPANHA de prevenção do cancro da mama serve para isso mesmo, para nos agarrarmos à vida; para cuidarmos de nós para que possamos cuidar daqueles que amamos e que dependem do nosso amor.
«Se porventura houvesse mais vida, decerto lhe pertencia, porque era da justiça que fosse dona do mundo e não morresse nunca». Esta frase ficou a dançar na minha imaginação como um hino à mulher.
Num país em que ainda há maridos que proíbem as mulheres de se submeterem ao exame da mamografia, deixo um apelo a todos os homens: ajudem as vossas mulheres, acompanhem-nas ao médico, estejam do lado delas para o que der e vier.NÓS não somos super mulheres só porque conseguimos fazer várias coisas ao mesmo tempo. Nas horas mais difíceis, todas precisamos de alguém que nos dê a mão."

Dar a Mão - Margarida Rebelo Pinto - 18.10 Aqui

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